Já faz algum tempo que eu não vou ao cinema para ver filmes bobos, só para me distrair. Acredito que todos precisem de uma dose de filmes assim, nem que seja para aliviar a cabeça. Mas pelo menos os dois filmes mais recentes que eu vi mexeram comigo: Ensaio Sobre a Cegueira e Última Parada 174. Este último mexeu muito.
Última Parada 174 exemplifica muito bem a expressão um soco no estômago. Não há como negar que parece um clichê, mas é difícil encontrar palavras que o caracterizem. O filme, baseado na história real de Sandro do Nascimento, rapaz que seqüestrou um ônibus no Rio de Janeiro em 2000, choca. Houve quem criticasse a obra cinematográfica, dizendo que fazia com que as pessoas sentissem pena de um criminoso. E não é para sentir pena?
O filme dá um tapa na cara de quem vai assisti-lo. Mostra as crianças, vítimas da Chacina da Candelária, mostra adolescentes envolvidos com drogas e assaltos. Mostra os marginalizados pelo sistema, que não têm outra opção senão o crime. E não é para sentir pena? Não se pode exigir que um criminoso tenha respeito pela vida, uma vez que ninguém nunca respeitou a vida dele.
Há quem diga que não vai ao cinema para ver coisas tristes. Mas acredito que a função da arte é esta: chocar, para que se possa ver os problemas e pensar sobre eles. Antes que se possa tomar qualquer atitude para mudar a realidade é preciso conhecê-la e pensar sobre ela. Não espero que o filme faça uma revolução. Mas incentivar a reflexão já é um passo considerável. Todos sabem que a situação do Brasil é calamitosa, basta assistir a um jornal. Mas ver um filme, se envolver emocionalmente com a história de alguém que personifica todas as notícias de um jornal é muito mais forte. Acompanhar o drama é muito mais forte. E especialmente este drama do seqüestro do ônibus, já que as cenas do filme evocam as lembranças reais desse dia. Na época do crime eu confesso que não prestei muita atenção, ainda era criança. Mas eu tenho ainda as lembranças, mesmo que seja apenas a lembrança da Xuxa escrevendo com um batom em um vidro, no Criança Esperança. Eu me lembro. E vivenciar tudo aquilo de novo não é fácil para ninguém.
Talvez as pessoas evitem assistir a este tipo de filme porque estão fartas da violência e acreditam que bandidos devem simplesmente apodrecer nas cadeias. Ver a ocorrência de um crime sem conhecer a história do criminoso implica em esquecer de que tudo funciona de acordo com a lei de causa e efeito. Mas procurar entender os motivos de um homem que comete um crime bárbaro é arriscado. É arriscado porque corremos o risco de perceber que o problema é muito maior e que já não podemos continuar com a nossa vidinha pacata dentro das grades de casa, dentro da redoma de ilusão.
Meu rosto ainda está vermelho com o tapa que levei no cinema. O que peço é que ele continue vermelho e dolorido, para que a cada dia possa me lembrar de que a negligência é o pior crime.
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